O que a vida nos dá de presente quando nos damos tempo?
De Maelivros e Elisa Schuler
Convidei a Elisa para escrever esse texto comigo porque sei que ela tem um olhar delicado e sensível para a infâcia. Pensei: Sabida e pesquisadora da infância que é, vai poder me ajudar nessa escrita.
No início a ideia era escrever sobre como aceleramos as crianças fazendo-as se encaixarem na nossa vida corrida, mas enquanto tomavamos um café, a Elisa me convidou a enxergar esse assunto — Tempo — com outro olhar. Precisávamos tocar de alguma maneira os adultos para que eles se percebessem, se não, de nada adiantaria.
Enquanto conversávamos surgiu naturalmente a lembrança da nossa infância e de como a vida está diferente, o que é natural, mas concordamos que muitas coisas precisam ser reconquistadas, detalhes importantes que perdemos diante de tantos compromissos. Acreditamos que muitos de nós já temos essa consciência, temos agora que virar a chave e viver o que desejamos e está dentro das circunstâncias de cada um.
E dessa conversa, brotaram algumas reflexões que gostaríamos de compartilhar.
Há meses não me programava para sentar com calma, conversar e tomar um café fora de casa. O motivo?
Tempo — palavrinha que tem me incomodado ultimamente.
Tenho refletido bastante sobre como tenho lidado com ele, em relação a mim, meu filho e marido, tenho sido respeitosa conosco? O que estamos fazendo com a gente, todos nós, nessa busca sem fim.
Meu encontro com a Elisa não foi por acaso, falamos de muitas coisas e resgatamos memórias da infância linda que tivemos, diferentes, mas com algo em comum.
Crescemos com calma, leveza, brincando muito em um quintal e descobrindo o mundo muitas vezes sozinhas, não no sentido de solidão e sim sem ter um adulto nos dizendo sempre o que e como fazer e sem nos interromper a todo momento.
Cresci em um quintal na companhia de galinhas, gansos (sim! Um casal de gansos, rs), passarinhos e um aroma inesquecível das árvores frutíferas, café e biscoito frito. Assim fui descobrindo e interagindo com o mundo, dando início às minhas conquistas motoras, comunicativas e afetivas, pouco a pouco, no meu tempo.
Me sentia segura e feliz naquele lugar, trago esse sentimento comigo até hoje, no meu jeito de enxergar a vida, no que desejo dela para mim e meu filho.
de Ana Carolina Machado da Maelivros
Um convite para falar sobre o tempo. Foi assim que tomei um delicioso café com a Carol. Uma manhã de sol quente com o ar frio do inverno. Sem pressa, com vontade de demorar. Falar sobre esse tempo que anda cada vez mais apressado, indomável, fora de controle.
E se ao invés de teimarmos em conter essa areia que incessantemente escorrega por entre os dedos, fizermos novas escolhas? Afinal, ela há de derramar-se não importa a nossa vontade.
Durante a nossa conversa, lembrei-me de uma memória muito preciosa que me acompanha. Singela, miúda, quase insignificante. Porém, percebi-a imensa dentro de mim. Rastros deixados pela minha criança.
Devia ter entre 1 e 2 anos, não sei bem quando. Desejava há tempos me levantar. Começava essa vontade bem no meio da barriga, embaixo do umbigo e assim engajava quadril, pernas, pés e surpreendentemente meu braço se erguia quase que sozinho, as mãos conseguiam alcançar o sofá. Os dedos sentiam a textura do tecido. Quase lá. Algo me fazia desequilibrar e lá estava eu de volta ao chão. Mas nada freava aquela vontade persistente que, de novo, me levava ao alto. Alto que era dentro. Quanto mais longe meus dedos das mãos chegavam, mais essa vontade de me levantar se espraiava no meu corpo. Até que cada parte de mim se uniu nesse ímpeto e ali por alguns instantes fiquei de pé. Senti a cabeça um pouco pesada e de novo ao chão. Quanto tempo fiquei ali investindo nessas inúmeras tentativas? Sem ninguém para me puxar pelos braços ou me segurar, me percebi capaz de ser por eu mesma. Até hoje quando me deparo com o frio na barriga quando preciso fazer algo novo, me lembro dessa vontade de levantar. Tem me ajudado.
Minha mãe que me cuidava, enquanto meu pai trabalhava, tinha que dar conta dos afazeres da casa, longe da família. Muita coisa a fazer… E assim, pude passar alguns momentos só, como esse. A distância entre o que meu corpo era capaz e o meu desejo, fui eu que percorri. E você, que distâncias como essa você, quando criança, percorreu? Quanto tempo isso levou? E o seu filho ou filha, quanto tempo será que ele precisa para perceber que é capaz de percorrê-las por si só? À Carol, meu muito obrigada, por trazer de volta esse tempo.
Esperando que nossas reflexões sejam compartilhadas e que possam contribuir de alguma maneira trazendo outros pontos de vistas, fazemos um convite a você que nos lê à reflexão e também a um pequeno movimento.
Será que acelerando o tempo ganhamos mesmo algum benefício?
Que tal contemplar a beleza e a sutileza do exato instante onde você se encontra agora? Olhe ao seu redor. Conta aqui pra gente, o que te surpreendeu?